Acorda de madrugada
Faz tão pouco que deitou
Mal dormiu, nem descansou!
A mulher está desmaiada
Nem beijou a filharada
Vai começar mais um dia
Trabalhar sem garantia
Batalhar sem esperança
É assim desde criança
Enfrenta dura porfia.
Pra que serve honestidade
Suor, vergonha na cara?
Se o governo não pára
De premiar a maldade
E tratar com crueldade
Quem vive de trabalhar
Pra família sustentar?
E quando bandido mata
Os seus direitos acata
É preferível roubar!
Foi fruto da ignorância
Não devia ter nascido
Vai morrer sem ter vivido
Analfabeto na infância
Não escapa da ganância
Do bandido de gravata
Que assalta, rouba e mata.
Com a lei sempre ao seu lado
Tem direito, advogado.
Enquanto lixo ele cata!
Se emprego ele consegue
O salário é vergonha
O governo usa a ronha
E sempre o pobre persegue
Por mais que o povo entregue
Renda, imposto, desconto...
Nunca tem dinheiro pronto
Para o mínimo aumentar
A quem pode reclamar?
Só lhe resta marcar ponto
Chega ao trampo cansado
Depois de longa viagem
Com medo da bandidagem
Nem conseguiu vir sentado
Pois o transporte aprovado
Não serve nem pr’animal
Não é transporte, é curral.
Com fome, pois não comeu.
O magro soldo não deu
Às vezes até passa mal
O dia todo malhando
O patrão fica mais rico
Pra ele não sobra um tico
Na sua sorte pensando
Os olhos só marejando
Se ao menos os meninos
Ainda tão pequeninos
Pudessem um dia escapar
Ir pra escola estudar
Dava até pr’agüentar
Mas o diabo da escola
Fica tão longe de casa
A dor no peito arrasa
Só se for pedir esmola
Nem a vitória consola
Do time do coração
O seu querido Mengão
Ou se for Corintiano
Alegria de baiano
Não tira a tristeza não
É preciso dar um jeito
Dar livro para os meninos
Por tênis nos pés tão finos
Pra que eles tenham respeito
Como gente de direito
Arranjar logo uma vaga
Na escola que num paga
E creche para o menor
Só de pensar sente dor
Ó que miséria amarga!
Já chegou o meio dia
Tira a marmita escondido
É só arroz mal cozido
Batata sem melhoria
Pos a pobre da Maria
Não conseguiu melhorar
O dinheiro ia faltar
Pro almoço dos meninos
Aqueles gambitos finos
Que vontade de chorar!
E no rádio ele escuta
A notícia do momento
O grande acontecimento
Banqueiro filho da puta
Com seus colegas desfruta
Mais uma grande isenção
Recebe desta nação
Dos seus assaltos perdão
Por roubar mais de milhão
Não agüenta mais não!
Se não fosse a família
Que tem para sustentar
E os filhos pr’encarar
Procurava a quadrilha
Do crime ia pra trilha
Pois bandido tem direito
É tratado com respeito
Enquanto o trabalhador
Só passa fome e dor
Este país não tem jeito!
JF
Zéferro
Um comentário:
Sempre considerei a literatura de cordel uma belíssima manifestação da cultura popular, e este está magnífico, além de pontual, é claro !
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